O assédio e a violência sexual nas escolas têm vindo, nos últimos tempos, a evidenciar-se como um dos maiores problemas enfrentados pelas alunas no sistema e no processo de ensino e aprendizagem no país. Este fenómeno figura-se como uma das principais causas da “desistência” das raparigas à escola. O relatório produzido pela AfriMAP e pela OSISA em 2011 refere que a cultura do silêncio na escola e na sociedade, a falta de confiança das raparigas para denunciarem os casos de violência, a impunidade e a corrupção caracterizada pela extorsão sexual e da compra de vagas nas escolas pelos professores constituem algumas das principais causas do assédio e da violência sexual nas escolas.


Por exemplo, um levantamento realizado pelo Movimento de Educação para Todos (MEPT) em 2017 mostra que os números de raparigas que desistem nas escolas tem um impacto significativo e entre as causas está a violência sexual nas escolas. A mesma fonte acrescenta um outro exemplo indicando que, de 2014 a 2017, 10.711 raparigas ficaram grávidas nas escolas sendo que os professores fazem parte dos principais perpetradores.

Até o ano de 2018, estava em vigor em Moçambique o Despacho n 39/ GM/2003 que estabelecia que todas as alunas grávidas frequentassem as aulas no período nocturno. Uma medida que discriminava as raparigas e obrigava-as a ir à escola a noite, expondo-as a mais perigos. No mesmo ano este Despacho foi revogado constituindo um passo importante na defesa dos direitos das raparigas e das mulheres rumo a equidade de género e ao direito a educação como um elemento forte no combate às uniões prematuras.

Segundo uma pesquisa realizada pela Coligação para Eliminação dos Casamentos Prematuros (CECAP), pelo UNICEF1 e pelo FNUAP2, Moçambique é um dos países com as taxas mais elevadas de Uniões Prematuras ocupando o 10º lugar no mundo, o 7º em África e o 2º na África Austral com uma percentagem de 48% de raparigas que “se casam” antes dos 18 anos e 14% antes dos 15 anos.

Entre as diferentes acções levadas a cabo no país para eliminar as Uniões Prematuras é notável o fortalecimento do quadro político e legal com a aprovação, em Julho de 2019, da Lei de Prevenção e Combate as Uniões Prematuras. Volvidos dois anos prevalecem desafios da sua disseminação e aplicação.

No quadro dos esforços para minimizar os problemas supracitados, o ROSC e a AMMCJ, no âmbito da implementação do projecto “Nossas Vozes, Nossos Corpos” financiado pelo programa ALIADAS, realizaram, entre os dias 20 e 30 de Setembro do ano corrente, sessões de formação em matéria de Género, Direitos e Saúde Sexual e Reprodutiva, com maior enfoque na Lei de Prevenção e Combate as Uniões Prematuras, cujo público-alvo foram 80 raparigas (das 180 previstas), dos 12 aos 24 anos, encontros que tiveram lugar na Escola Primária Completa da Ponta do Ouro, distrito de Matutuine, e na Escola Comunitária Graça Machel, Província de Maputo.

Do universo de raparigas capacitadas, foram selecionadas 8 alunas que se destacaram durante a formação para b e n e f i c i a r e m de Mentoria e serem agentes de mudança, replicando as formações em suas escolas e comunidades. Esse facto já é uma realidade, já que as formações dadas já estão a dar ecos nas referidas escolas, onde as alunas beneficiárias têm replicado os conhecimentos adquiridos junto aos colegas e nas comunidades. Com esta acção pretende-se que sejam abandonadas as más práticas culturais e sociais como a violência, o tráfico e os tabus que, de forma contínua, ainda predominam nos meios escolar e comunitário, perpetuando desse modo o aumento de casos de gravidezes precoces, de uniões prematuras, de violações sexuais e de outros males que prejudicam o cumprimento dos direitos das crianças.

Lola Dias Mucache, uma das beneficiárias, hoje activista e agente de mudança, explicou que o seu engajamento é nada mais que uma actividade de continuidade do projecto implementado pelo Fórum da Sociedade Civil para os Direitos da Criança - ROSC e a Associação Moçambicana de Mulheres de Carreira Jurídica – AMMCJ, com o apoio do ALIADAS, que consiste em replicar as informações e conhecimentos adquiridos durante as formações nas áreas de Direitos Sexuais e Reprodutivos com enfoque ao Assédio Sexual nas Escolas, Lei de Prevenção e Combate às Uniões Prematuras e o Despacho 435/ GM/2018/MINEDH.

Neste contexto, Mucache entende que esta é uma forma eficaz que o ROSC e a AMMCJ encontraram para divulgar a Lei de Combate às Uniões Prematuras, ensinar os mecanismos de combate ao assédio nas escolas, e para que as beneficiárias formadas repliquem os conhecimentos adquiridos, capacitando outras raparigas a fim de que as mesmas conheçam os seus direitos e tomem decisões mais acertadas sobre o seu futuro.

Por sua vez, Selenia Tainá António, estudante e beneficiária do projecto “Nossas Vozes, Nossos Corpos”, na Escola Comunitária Graça Machel, mostrou-se lisonjeada e empoderada pelos conhecimentos adquiridos na formação. Esta explicou que depois de ter passado pela capacitação consegue dialogar com os seus pais e comunidade sobre os seus direitos e sobre os seus planos de vida. Este facto, segundo referiu, torna-a um exemplo para a sua comunidade.
A estudante aproveitou a ocasião para agradecer ao ROSC e seus parceiros por esta iniciativa, tendo apelado para que a mesma seja estendida para mais raparigas e comunidades pois, conforme explicou, existem muitas raparigas na localidade e no distrito de Matutuine que se encontram em situação de vulnerabilidade, necessitando de emancipação e empoderamento.

Por sua vez, o ROSC e a AMMCJ mostraram-se satisfeitos pelo apoio prestado pelos c o o r d e n a d o r e s das escolas, pelas estruturas dos bairros e pelos líderes comunitários, dada a abertura revelada no âmbito da implementação do projecto. As duas agremiações apelaram a todos os actores envolvidos a continuarem juntos nestas actividades que, segundo avaliam, irão beneficiar as escolas e as suas comunidades. A expectativa é de que sejam, ainda neste ano, alargadas as formações para outras escolas que ainda não foram abrangidas pelo projecto.

É de referir que as capacitações ocorridas no período acima indicado tinham como objectivo principal munir as alunas de conhecimento sobre a Lei de Prevenção e Combate às Uniões Prematuras e de ferramentas para fazer face aos vários problemas relacionados ao assédio e violência sexual nas comunidades e nas escolas, de modo a que possam reportar e denunciar os incidentes e também estabelecer as redes de solidariedade entre colegas dentro, em volta das escolas e nas comunidades.

As acções do ROSC e da AMMCJ visam um engajamento por parte das estudantes para que haja rompimento destas práticas nocivas e, acima de tudo, sejam levadas a cabo medidas preventivas sobre estes males, a consciencialização dos estudantes e das comunidades para a mudança de mentalidades que prejudicam sobremaneira o futuro das raparigas e rapazes.